Ainda que biologicamente a mulher tenha menos força muscular que o homem, que corra menos depressa, que erga pesos menos pesados, que sofra alguma instabilidade nos períodos menstruais, durante a gravidez ou na menopausa, esses são dados fisiológicos cuja significação depende dos fins propostos pelos homens. É Simone de Beauvoir (2019) quem alerta para o fato de que, ainda que a fraqueza física da mulher seja flagrante, sua capacidade técnica pode perfeitamente anular a diferença muscular. Para ela, “o manejo de numerosas máquinas modernas não exige mais do que uma parte dos recursos viris”. Para que força física se, desde a Revolução Industrial, grandes feitos são produzidos apenas com o apertar de um botão?
Um pouco de história, para entendermos o que representa essa data!
Tomando consciência do seu papel na sociedade, desde o Século XIX, as mulheres lutam
para libertarem-se da sua natureza oprimida. A evolução da condição de mulher se
explica a partir do momento em que, tornando-se senhoras de seus corpos, libertaram-se da obrigação exclusiva do papel reprodutor e passaram a desempenhar papéis na
produção e na economia, assegurando a conquista total de si mesma.
A criação do Dia Internacional da Mulher teria surgido quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas em um incêndio em uma fábrica têxtil, em Nova York, em 1911. O incidente marcou a trajetória das lutas feministas ao longo do século 20, mas os eventos que levaram à criação da data são bem anteriores a este acontecimento.
Já no final do Século XIX, devido à Revolução Industrial, organizações femininas oriundas de movimentos operários protestavam na Europa e nos Estados Unidos contra jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e salários irrisórios. Organizando e promovendo greves, onde reivindicavam melhorias nas condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, em maio de 1908, cerca de 1.500 mulheres aderiram a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. Em 1909, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas em Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data comemorativa do Dia Nacional da Mulher como sendo 28 de fevereiro.
Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, na Dinamarca,
representantes de 17 países aprovaram a criação de uma data anual para a celebração
dos direitos da mulher. O objetivo era honrar as lutas femininas e, assim, obter suporte
para instituir o sufrágio universal em diversas nações.
Mas foi na Rússia, em 8 de março de 1917, quando aproximadamente 90 mil operárias manifestaram-se contra o Czar Nicolau II, as más condições de trabalho, a fome e a participação russa na guerra que a data consagrou-se, sendo o Dia Internacional da Mulher, oficializado apenas em 1921.
Mais de 20 anos depois, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) assinou o primeiro acordo internacional que afirmava princípios de igualdade entre homens e mulheres. Nos anos 1960, o movimento feminista ganhou mais força e em 1975 comemorou-se oficialmente o Ano Internacional da Mulher. Finalmente, em 1977, o dia 8 de março foi reconhecido oficialmente pela ONU como Dia Internacional da Mulher.
No Brasil, movimentos para garantir os direitos da mulher, melhores condições de
trabalho e qualidade de vida, ganharam força com o movimento das sufragistas, nos anos 20 e 30, conseguindo direito ao voto em 1932. Mas foi somente a partir dos anos 1970 que emergiram organizações que passaram a incluir na pauta das discussões a igualdade entre os gêneros, a sexualidade e a saúde da mulher, no país. Em 1982, foi criado o Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo, e em 1985, foi inaugurada a primeira Delegacia Especializada da Mulher.
Avanços ou retrocessos?
Entre avanços e retrocessos, não se pode negar que elas passaram a conquistar mais
espaços. Nas eleições de 2020, o Governo brasileiro avaliou como positiva a campanha
“+Mulheres na Política”, uma vez que os resultados mostraram um aumento percentual da representatividade feminina atuando nas Prefeituras e Câmaras Municipais do país.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral apontam que o aumento do número de vereadoras
eleitas foi de 19,2%. Naquele ano, 16,1% dos candidatos eleitos foram mulheres, ao
passo que em 2016, o índice foi de 13,5 %. Para as prefeituras, a quantidade de mulheres
eleitas foi 4,4% maior do que no pleito anterior. Em relação ao número de candidaturas, o aumento relativo foi de 2,5%, em relação a 2016. Naquela época, elas representaram
13,1% do total de candidaturas. Em 2020, por sua vez, elas corresponderam a 13,4%.
Em termos de representatividade nos cargos de alto escalão federal, as mulheres estão à
frente de 3 (13%) dos 23 ministérios do governo Bolsonaro. São as ministras Damares
Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e
Tereza Cristina (Agricultura). Nas estatais, das 46 empresas controladas pela União, 35
não têm mulheres na diretoria-executiva, ou seja, apenas 13% dos cargos de alto escalão
são ocupados por mulheres, enquanto 74% estão entregues aos homens e 13% estão
desocupados. Apenas em 4 empresas estatais, o número de mulheres é maior do que de
homens, sendo 3 delas da área da Saúde. Por outro lado, em 14 estatais as mulheres
não representam nem 25% do efetivo, sendo a Petrobras a de menor representatividade
feminina, com apenas 16,6% delas na força de trabalho.
Já no setor privado, os dados são mais animadores, embora ainda apontem barreiras no
processo de ascensão das mulheres aos cargos de liderança. Das 295 empresas de
capital aberto avaliadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), 77% das posições de liderança são ocupadas por mulheres. Esse índice representa 640
executivas em 229 organizações. Ao menos uma mulher participa do Conselho
Administrativo em 57% das empresas de capital aberto, caindo para 38% no Conselho
Fiscal e para 35% na Diretoria.
Em outro estudo, realizado pelo BR Rating, em 2020, o cenário é menos equânime.
Dentre 486 empresas, que empregam de 200 a 10 mil funcionários, sendo 59% de
organizações nacionais e 41% de multinacionais, a pesquisa revelou que apenas 3,5%
das companhias têm CEOs mulheres e 16% têm mulheres em cargos de diretoria. Em
cargos de gerência, esse percentual sobe para 19%.
Ainda que esses números sejam reflexo de um gap na formação acadêmica, ou questões
ligadas à maternidade ou ao “glass ceiling” (os chamados “tetos de vidro”, barreiras nem
sempre percebidas para ascensão das mulheres na hierarquia organizacional, ainda
existentes no mercado), a pauta da participação feminina em cargos de liderança e da equidade salarial é uma discussão cada vez mais necessária para as empresas
comprometidas com ESG e seus critérios sustentáveis, sociais e de governança.
A Agenda 2030 traz em seu bojo o Objetivo 8 – Emprego Decente e Crescimento
Econômico, aquele que trata da promoção do “crescimento econômico sustentado,
inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos”.
Apesar da igualdade de gênero ser, portanto, um dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentáveis (ODS) da ONU, o item 8.5 do ODS que prevê “até 2030, alcançar o
emprego pleno e produtivo e trabalho decente todas as mulheres e homens, inclusive
para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual
valor”, está longe de parecer realizável. A 8 anos do prazo final para atingir o objetivo,
infelizmente, o indicador 8.5.1 aponta que, no Brasil, o salário médio por hora de
empregados de 15 anos ou mais de idade é de R$ 13,18 para homens e de R$ 11,45 para
mulheres. Por região, a maior diferença se dá no Sudeste, com salário/hora de R$ 14,73
para homens e R$ 11,95 para mulheres, uma disparidade de 23,26%.
Não bastassem as questões das barreiras estruturais, some-se a pandemia que assolou o
mundo ao retrocesso ou atraso na agenda da diversidade e inclusão, desde 2020. Se
muitos países vinham avançando lentamente nesse tema, outros deram passos atrás. Os
desafios se tornaram ainda mais crescentes no mercado de trabalho, na saúde e
segurança dos grupos minorizados, com a adoção do modelo de trabalho virtual. O futuro do trabalho segue sendo uma incógnita e um desafio para as lideranças corporativas.
Mas, ainda que iniquidade, preconceito e violência contra as mulheres ainda sejam uma realidade global, a hora é de celebrar os avanços e aproveitar os ventos favoráveis à discussão provocada pela força do ‘S’ na Agenda ESG. O aumento da visibilidade de questões relacionadas a assédio, discriminação e tratamento impróprio de equipes é uma consequência do aumento da diversidade nas empresas – e essa constatação é positiva.
Dados do último censo nacional, de 2010, mostram que, com 51,8% de mulheres dentre
os mais de 210 milhões de habitantes, somos um país majoritariamente feminino. E,
ainda, que as mulheres com Ensino Médio completo e nível Superior incompleto são 25% e os homens 24,1% da população; e que o percentual de mulheres com nível Superior completo é de 12,5%, contra 9,95% de homens. Esses índices comprovam o que
Beauvoir profetizou há décadas: não tendo a mesma força física dos homens, a
emancipação das mulheres se dá quando ela se capacita e se torna apta a integrar a
força produtiva da sociedade. E, nesse sentido, os avanços são visíveis, tornando-se
destaque cada vez mais frequentes em nível nacional.
Por tudo isso é que convido você, leitor ou leitora, a olhar à sua volta e pensar nas mulheres com quem conviveu e nas com quem convive hoje; nas que te estimularam a ir mais longe, te inspiraram, te encantaram pelo talento e coragem de enfrentar adversidades; e nas que te servem de exemplo de liderança, força e determinação. Em
homenagem a cada uma delas, sugiro que torne o desafio da equidade de gênero em um compromisso pessoal. Por elas e com elas, sugiro, ainda, que erga um brinde neste dia 8 de março. Motivos para celebrar, ainda que modestos, todos temos!
(Mestre e Doutoranda em Sistemas de Gestão, na UFF; professora, mentora e consultora especialista em Gestão e Empreendedorismo, com ênfase nas áreas de Planos de Negócio, Cultura Corporativa, Diversidade e Inclusão Organizacional; e professora do curso ESG de Responsabilidade Social, Inclusão e Diversidade da Pitecg)
Referências:
- BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2019. - https://www.cnnbrasil.com.br/business/apenas-3-5-das-grandes-empresas-tem-mulheres-como-ceo-aponta-pesquisa/
- https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/ceos-mulheres-do-sp-500
- https://www.ethos.org.br/cedoc/conferencia-ethos-pandemia-e-retrocessos-globais-na-agenda-de-equidade-de-genero/
- https://exame.com/bussola/lugar-de-mulher-e-no-comando-de-empresas-e-organizacoes/
- https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/janeiro/governo-comemora-aumento-da-representatividade-feminina-na-politica
- https://novaescola.org.br/conteudo/301/por-que-8-de-marco-e-o-dia-internacional-da-mulher
- https://odsbrasil.gov.br/objetivo8/indicador851
- https://www.poder360.com.br/economia/mulheres-ocupam-13-dos-cargos-de-alto-escalao-em-estatais/