A descoberta do Pré-sal em 2006 levou o Brasil a adotar um regime regulatório misto para exploração e produção de hidrocarbonetos a partir de 2010. A Lei nº 12.351/2010 instituiu o modelo de partilha de produção para as atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos para o polígono do Pré-sal e áreas estratégicas. Outras áreas permanecem, até hoje, regidas pela lei nº 9.478/1997, denominada Lei do Petróleo, que define o modelo de concessão no Brasil para as atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos realizadas nas demais áreas (ANP, 2020; BRASIL, 1997; ROSA, 2013).
A Lei do Petróleo e o Regime de Concessão
Segundo a Lei nº 9.478/1997, “as atividades econômicas previstas no art. 177 da Constituição da República Federativa do Brasil poderiam ser exercidas mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País” (ROSA, 2013). Essa mesma Lei instituiu ainda a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, como integrante da Administração Federal Indireta submetida ao regime autárquico especial, para atuar como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis (Lei nº 9.478/1997).
No regime de concessão, as organizações devem celebrar, com a ANP, mediante participação em procedimento licitatório elaborado, conduzido e oficializado pela própria Agência em nome da União, à luz da Lei do Petróleo, um contrato de concessão para a exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. Porém, elas não precisam participar da licitação de forma individual. Podem apresentar ofertas firmadas por um consórcio de sociedades empresariais, no qual ao menos uma das organizações integrantes do consórcio seja qualificada como Operadora e esta possua, pelo menos 30% de participação no consórcio (ROSA, 2013).
Nas licitações sob esse regime de concessão, o consórcio ou organização individual oferece um valor bônus de assinatura e propõe um Programa Exploratório Mínimo (PEM), no qual se compromete a executar certas atividades na área de interesse, tais quais pesquisas sísmicas, perfuração de poços exploratórios etc. Vence o consórcio ou organização individual que apresentar proposta mais vantajosa, dados os critérios previstos em edital (ANP, 2020).
Uma vez vencedor(a) da licitação, o consórcio ou organização individual passa a ter o direito de empreender atividades de exploração da área concedida, sob sua própria conta e risco. Logrando êxito, declara a comercialidade da área e é proprietário do petróleo e gás produzidos, podendo tirar proveito econômico sobre a exploração dos recursos naturais extraídos dela, ou seja, explotá-la. Logo, o contrato de concessão possui duas fases, sendo a primeira a de exploração, que implica na descoberta dos recursos naturais e avaliação dessa descoberta, e a segunda, a de desenvolvimento e produção, na qual um campo com comercialidade declarada é explotado. Como contrapartida aos direitos de exploração e produção que lhe foram concedidos, o consórcio paga o bônus de assinatura do contrato e as participações governamentais previstas contratualmente, como Royalties, Participação Especial, e Pagamento pela Ocupação ou Retenção de Áreas e de Participação ao Proprietário de Terra (ANP, 2020; ROSA, 2013).
A Lei do Petróleo prevê a possibilidade de transferência da concessão obtida, mediante aprovação da ANP, estando o concessionário sujeito a penalidades. A cessão de direitos pode ocorrer de forma parcial ou total, sendo um importante instrumento para configurar tanto o início quanto o fim de uma Joint Venture. A cessão total configura a transferência de 100% da participação do concessionário nos direitos e obrigações advindos do contrato de concessão para exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos a uma terceira parte, enquanto a parcial implica na transferência de um percentual da participação do concessionário a uma terceira parte, de forma que o concessionário cedente permaneça no contrato. Quanto à terceira parte que adquire os direitos do concessionário cedente, pode ser uma organização que já tenha participação no consórcio ou não (ROSA, 2013).
O regime de concessão reduz a participação do Estado na autonomia privada, conferindo maior liberdade ao consórcio ou organização individual para exercício da atividade, uma vez que tem suas regras contidas no contrato de concessão, apesar de previstas restrições de comercialização do produto em caso de benefício do abastecimento do mercado nacional (ROSA, 2013).
Em 2019, o Brasil realizou a 16ª Rodada de Licitações, das 14 rodadas feitas sob o regime de concessão, no qual foram ofertados trinta e seis blocos nas bacias sedimentares marítimas de Pernambuco-Paraíba, Jacuípe, Camamu-Almada, Campos e Santos, que, juntos, totalizavam 29,3 mil km² de área (ANP, 2020).
A Cessão Onerosa
A Lei nº 12.276/2010 autorizou a União a “ceder onerosamente à Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição Federal” (Lei nº 12.276/2010). O regime de cessão onerosa estabeleceu a possibilidade de contratação direta da Petrobras pela União para extrair o limite de até cinco bilhões de barris de petróleo equivalente de áreas específicas de petróleo não concedidas, localizadas no pré-sal (ANP, 2019; BRASIL, 2010a). Como houve volumes excedentes aos permitidos à Petrobras extrair no regime de cessão onerosa, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou a Resolução CNPE nº 06/2019, autorizando a ANP a realizar a “Rodada de Licitações de Partilha de Produção para os Volumes Excedentes aos contratados sob o regime de Cessão Onerosa em áreas do Pré-sal, doravante, Rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa” (ANP, 2019).
A Partilha de Produção
Em se tratando do regime de partilha de produção, o Art. 2º da Lei nº 12.351/2010 dispõe, dentre outros, que, “para os fins desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:
I – partilha de produção: regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato;
II – custo em óleo: parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, exigível unicamente em caso de descoberta comercial, correspondente aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações, sujeita a limites, prazos e condições estabelecidos em contrato;
III – excedente em óleo: parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre a União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo, aos royalties devidos e, quando exigível, à participação de que trata o art. 43;
IV – área do Pré-sal: região do subsolo formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices estabelecidas no Anexo desta Lei, bem como outras regiões que venham a ser delimitadas em ato do Poder Executivo, de acordo com a evolução do conhecimento geológico;
V – área estratégica: região de interesse para o desenvolvimento nacional, delimitada em ato do Poder Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos;
VI – operador: o responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção; (Redação dada pela Lei nº 13.365, de 2016)
VII – contratado: a Petrobras, quando for realizada a contratação direta, nos termos do art. 8o, inciso I, desta Lei, ou a empresa ou o consórcio de empresas vencedor da licitação para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em regime de partilha de produção; (Redação dada pela Lei nº 13.365, de 2016)
VIII – conteúdo local: proporção entre o valor dos bens produzidos e dos serviços prestados no País para execução do contrato e o valor total dos bens utilizados e dos serviços prestados para essa finalidade;
IX – individualização da produção: procedimento que visa à divisão do resultado da produção e ao aproveitamento racional dos recursos naturais da União, por meio da unificação do desenvolvimento e da produção relativos à jazida que se estenda além do bloco concedido ou contratado sob o regime de partilha de produção;
X – ponto de medição: local definido no plano de desenvolvimento de cada campo onde é realizada a medição volumétrica do petróleo ou do gás natural produzido, conforme regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP;
XI – ponto de partilha: local em que há divisão entre a União e o contratado de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos produzidos, nos termos do respectivo contrato de partilha de produção;
XII – bônus de assinatura: valor fixo devido à União pelo contratado, a ser pago no ato da celebração e nos termos do respectivo contrato de partilha de produção; e
XIII – royalties: compensação financeira devida aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, em função da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção, nos termos do § 1o do art. 20 da Constituição Federal.
Inicialmente, o Art. 2º da Lei nº 12.351/2010 estabelecia que a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) seria a operadora de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção (item VI), e que o contratado seria a Petrobras ou consórcio constituído por ela com o vencedor da licitação (item VII). Porém, a Lei nº 13.365 de 2016 alterou esses itens, permitindo que outras empresas exerçam a função de operador e que a empresa ou o consórcio de empresas vencedor da licitação seja contratado. Isso porque, dentre outras questões, ao estabelecer que a Petrobras seria a única operadora de todos os blocos contratados no regime de partilha de produção, com participação de, no mínimo, 30% em caso de consórcio, a autonomia privada ficou amplamente restringida, dado que as organizações não poderiam formar parcerias que não incluíssem a Petrobras e a Pré-sal Petróleo S.A. (ROSA, 2013).
Em suma, no regime de partilha da produção no Brasil, o CNPE decide se será realizada licitação, conhecida como rodada de partilha, para as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção dos blocos, ou se irá contratar diretamente a Petrobras para fazê-lo. Essa decisão deve atender aos interesses nacionais, incluindo os objetivos da política energética brasileira. Em caso de haver licitação, o CNPE oferta à Petrobras a preferência por ser a empresa operadora dos blocos a licitar. Havendo interesse em um ou mais blocos, a Petrobras informa o desejo de exercer seu direito de ser operadora e a participação que terá no consórcio, a qual deve ser igual ou superior a 30%, nesse caso. Caso não exerça esse direito de ser operadora, o consórcio vencedor deve indicar o operador (ANP, 2020).
Nesse modelo, são descontados os custos necessários para operação do valor total e o excedente em óleo é partilhado pelas organizações que compõem o consórcio vencedor e a União. Por isso, o consórcio vencedor é aquele que oferece a maior parcela de lucro à União, ou seja, a maior parcela do excedente em óleo. Outra peculiaridade do regime de partilha que diz respeito ao percentual do excedente em óleo ofertado à União é que, caso o consórcio ou empresa individual tenha oferecido o percentual mínimo exigido, a Petrobras passa a integrar o consórcio junto com o vencedor. Mas, caso o percentual ofertado tenha sido superior ao mínimo, a Petrobras tem até 30 minutos para decidir se quer integrar o consórcio vencedor ou não. Por fim, a Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA) representa a União e compõe o consórcio vencedor junto com as demais organizações que o formaram (ANP, 2020).
A primeira rodada de partilha do Pré-sal ocorreu em 2013 e ofertou a área de Libra. O consórcio vencedor, formado por Petrobras (operadora), Shell, Total, CNPC e CNOOC, ofertou um percentual de 41,65% do excedente em óleo à União. Desde então, foram realizadas mais cinco rodadas de licitação na área do Pré-sal e uma de licitação do volume excedente do contrato de cessão onerosa (ANP, 2020).
A Figura abaixo sintetiza a evolução abordada do marco regulatório do setor de P&G no Brasil, a partir de 2010, promovida pela descoberta do Pré-sal, para atender aos interesses nacionais.
Por:
(Sócia fundadora da Pitecg, doutora em Sistemas de Gestão Sustentáveis (UFF), profissional com experiência nas áreas de consultoria, projetos, portfólio de projetos, governança corporativa, comercial, contratos, riscos e compliance, nos segmentos da Indústria e de O&G. Professora do Centro Universitário La Salle – UniLasalle (Engenharia de Produção) e membro dos Grupos de Pesquisa NetCEO, da Engenharia da UFF, e Geopolítica da Energia, da Escola Superior de Guerra (ESG))
Referências:
- AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NACIONAL E BIOCOMBUSTÍVEIS -ANP. 2019. Disponível em: http://rodadas.anp.gov.br/pt/rodada-de-licitacoes-dos-volumes-excedentes-da-cessao-onerosa/rodada-de-licitacoes-de-partilha-de-producao-do-excedente-da-cessao-onerosa/areas-oferta. Acesso em: 24 maio 2021.
- AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NACIONAL E BIOCOMBUSTÍVEIS -ANP. 2020. Disponível em: http://www.anp.gov.br/arquivos/central-conteudos/anuario-estatistico/2020/texto-secao-1.pdf. Acesso em: 29 maio 2021.
- BRASIL. Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm. Acesso em: 25 maio 2021.
- BRASIL. Lei n. 12.276, de 30 de junho de 2010a. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/L12276.htm. Acesso em: 25 maio 2021.
- BRASIL. Lei n. 12.351, de 22 de dezembro de 2010b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/L12351.htm. Acesso em: 25 maio 2021.
- BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Energia 2030. Colaboração Empresa de Pesquisa Energética. Brasília: MME: EPE, 2007. 12 v.
- ESCRITÓRIO TÉCNICO DE ESTUDOS ECONÔMICOS DO NORDESTE – ETENE. Petróleo e Gás Natural. Caderno Setorial Etene, Ano 4, n. 104, nov. 2019.
- ROSA, A. L. Da concessão à partilha: análise das Joint Ventures no setor de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural no Brasil. Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia, v. 4, p. 54-76, 2013.